domingo, 27 de dezembro de 2009

O tom

Ontem troquei dois scraps com um rapaz que acessou o blog. Ele diz ter se descoberto HIV+ mais ou menos na mesma época que eu e que se contaminou da mesma forma também, sexo oral.

Em apenas dois scraps não dá pra saber muita coisa mas me chamou a atenção pelo fato dele ter tido algo como "eu te entendo, passo pelo mesmo, mas de forma menos dramática".

O blog acabou sendo, desde o minuto zero, a válvula de escape. E por mais que a descoberta da sorologia seja sempre algo dramático pra quem passa por isso, talvez eu esteja mesmo expondo as coisas todas aqui num tom diferente de como elas realmente são.

A vida tem continuado. Há risos, pessoas, obrigações, processos, faculdades, escolhas, diversão. Tem muita coisa acontecendo. Coisas boas, ótimas, extraordinárias também, claro. (rs)

A sensação de fracasso ainda é imensa. De que fracassei no estilo de vida que eu sugeria e alardeava como algo moderno, sensato e inofensivo. De que não há problema em transar com uma pessoa diferente por semana, desde que se use preservativos. Até porque, até então, quem já havia pego HIV fazendo sexo oral? Provavelmente milhares de pessoas. Elas até estão por ai, como agora sei. E eu que achava que estava cumprindo com as regras, seguindo o protocolo. Era mais.

Inegavelmente uma parte de mim morreu. Ou "já morreu". A(s) outra(s) eu vou cuidar bem demais! Eu tento e tenho. Para que dê frutos a ponto de compensar a parte perdida.

Acabou uma festa, sim. Logo, logo começa outra que pode ser até melhor. A melhor.

sábado, 26 de dezembro de 2009

Sub-surto

Fui tomado esses dias por um sentimento de incapacidade e impotência. Tudo muito intenso. Pensei em desistir de tudo, que nada vale a pena, algum esforço, qualquer sacrifício... e ao mesmo tempo não pude deixar de lembrar do muito amor que recebo de poucas pessoas. E no quão covarde e injusto da minha parte seria eu desistir, eu parar.

Tem sido difícil. Olho no espelho e penso "AIDS". Por mais que eu saiba que isso é uma forma de auto-preconceito.

Ah, ironias do destino: INACREDITÁVEL como uma ou outra pessoa reapareceu agora na minha vida propondo namoro sério! Eu penso "mas... mas... justo AGORA???" - é foda! (rs)

Melhorando meu humor e meus pensamentos, espero.

quinta-feira, 24 de dezembro de 2009

Natalidade

Então é natal... e eu não consigo entrar no clima natalino pela primeira vez em minha vida. As pessoas todas vêm me abraçar, desejar os seus "feliz natal!" e eu sorrio sem graça.

Antes, havia empolgação, festa, confraternização. Agora, esse princípio de gripe que mais parece sre manifestação psicológica, somatização. A vontade é de me sentar num canto da sala durante a festa e passar a noite inteira lendo qualquer coisa que me faça esquecer que esse vai ser o primeiro natal com HIV.

Quantos outros virão?

terça-feira, 22 de dezembro de 2009

Night Fever

Nem é a música dos Bee Gee's. Não sei se numa reação do psicológico à taxa de imunidade/carga viral do meu primeiro exame, ou por alguma coincidência irônica, estou com febre, "corpo mole", dores no corpo. Típica gripe. Pode?

Dai eu viajo. Imagino minha mãe correndo comigo, marmanjo, pra um hospital. Eu tendo que contar pro médico, na frente dela, que sou soropositivo. Ou mais, já imagino eu morrendo antes d'ela, ela tendo que enterrar o filho aidético.

Dai corto o drama. Pus uma comédia pra rolar no DVD. Não fosse o calor que a febre está me dando, tudo normal. E rio. Mas que se minha mãe tiver que enterrar um filho, que não seja por algo tão idiota quanto uma AIDS.

E sem mais pensamentos do tipo "ah, não, mas logo eu que fiz tudo certinho! Ninguém que eu conheço faz sexo oral com camisinha e mesmo assim eles não tem HIV!" com birra e beicinho.

Amostra

Os resultados dos primeiros exames específicos ficaram prontos.

Nem de longe lembram a simplicidade de um "não reagente" que eu lia dando os ombros com um sorriso de desdém do tipo "óbvio, eu já esperava isso, faço tudo de acordo..."

É um sem fim de números, taxas, comparações... pouca coisa que eu realmente consiga compreender sozinho. Fora a preguiça do tipo "porra, antes eu não tinha que me preocupar com isso". Sim, rola uma negação.

A vida social anda meio pesada. Tá complicado conviver com o estresse que eu finjo que não existe. E acima disso, há as cobranças minhas, as cobranças dos outros, pessoas precisando de ajuda, de atenção, de socorro...

A pressão não seria menor se as pessoas todas com as quais convivo soubessem da minha condição. O suposto preconceito, sim, creio. Não de todos mas...

Durmo e acordo todos os dias com o vírus tatuado e sorridente, muito do exibido, na minha frente.

segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Comprometido

Analisando, nunca me dei bem com relações a longo prazo. Imaginar que vou ter que conviver com algo para sempre, até o fim da vida, me tira do sério, irrita. Um tanto disso é preguiça. Abrir mão da vida sempre parece mais fácil. Só que "fácil" não traz evolução.

Quando é que vão trazer a cura mesmo?

sábado, 19 de dezembro de 2009

Saliva

Dias comuns. Muito envolvido com um projetinho pessoal, não estava sequer percebendo que o ano praticamente acaba nas próximas duas semanas.

Há momentos longos em que me esqueço completamente que tenho o vírus. E penso raso como fazia antes.Volto à realidade: não posso mais me dar ao luxo de perder tempo pensando raso. O planejar, o preparar, era algo que não fazia parte da minha vida. Agora, VAI TER QUE SER.

Nunca consegui me imaginar no futuro. Ou imaginar meu futuro, digamos assim. O certo é que uma coisa eu sentia sempre... "futuro? eu sozinho, tomando conta de mim". Isso era quase uma constatação automatica, algo que eu sentia. Agora vem o medo. Pois se imagino uma vida saudável (garantia que ninguém tem, pois vai que tu perdes as pernas ou fica tetraplégico numa merda de acidente qualquer?), imagino essa vida saudável sem depender da ajuda de outra pessoa. Já uma vida com AIDS... pelo menos alguém pra conversar a respeito, pra não enlouquecer.

É psicológico, eu sei, vão dizer... mas o psicológico deve ser responsável por grandes quedas de quem tem HIV. A notícia em si, os termos técnicos todos, a frieza com que certos "profissionais" da saúde te tratam, a mudança de rotina, a alteração que se tem de tempo, duração de vida, planos, projetos... enfim, TUDO passa pelo coador da mente. Às vezes filtra bem, às vezes ali fica impregnado de sujeira ("uma baba grossa e escura, essência do meu tormento"). E até ficar limpo de novo... ah, ai vão-se horas que duram dias, dias que duram semanas...

Procurando postar algo mais alegre. Talvez eu dê a entender que parei com a minha vida, quando na verdade tudo segue igual antes. Exceto pelo tudo e tanto que mudou :) Quero dizer que, obviamente ter que conviver com o vírus e com a idéia de "tenho AIDS" é um puta baque. Mas há os amigos, festas, risos, alegria, diversão.

Espero que a vida seja muito da mesma, maravilhosa como ela sempre me foi, até o dia que eu não viver mais.

terça-feira, 15 de dezembro de 2009

Sangue

Coleta para os primeiros exames aprofundados.

Ao todo, 25 exames. Desses, 3 custaram r$ 2oo,oo. Os outros 22 todos, juntos, não chegam a r$15o,oo pelo plano de saúde. De todo modo, enfim, lá se foram os presentes de natal de muita gente ;p uma causa justa?

A ida a um novo laboratório significa mais pessoas a par da minha nova condição. Conhecendo o número de pessoas que conheço, na minúscula cidade em que vivo, isso quer dizer que é grande o risco de que algum conhecido venha a ter conhecimento de que sou agora soropositivo.

"Fight AIDS, not people with AIDS" diz um vídeo que assisti há um tempo. Na hora de colher o sangue, a mocinha deu uma olhada nos pedidos de exames e fez uma cara de "putaquepariuquemerdaéessa??". A senhora no balcão de entrada, que recebe, cadastra e direciona a gente soube disfarçar melhor. Ou já está acostumada e tem mais traquejo pra não estressar gente melindrosa.

Alguns resultados só vão sair dia 30, véspera do último dia de um ano que, simbolicamente, é extremamente significativo. Outros, amanhã mesmo. Minha rendição, subsequente confissão e cumprimento de pena... sei lá quando.

domingo, 13 de dezembro de 2009

Dias Depois...

Acho que hoje, sei lá porquê, foi o pior dia.

Em casa me sinto um sujo. Há visitas, bebês, crianças, idosos. Não quero ficar perto. Não tem alegria hoje. Não sei o motivo. Não quero ficar perto.

Será que a possibilidade de um futuro "limpo", promissor, dessas crianças me incomodou? Será que sinto que desperdicei a parte que me cabia? Os idosos são a prova de que chegaram, eles e muitos outros, onde eu, provavelmente, não chegarei?

Se meus pais viverem muito, passarem dos 90 anos, eu terei quase 70. Ou teria.

Até eu morrer, terei que viver com um segredo espinhoso, feio, sujo. Os estigmas de um aidético. Pra onde eu varro isso aqui dentro de casa, já que não posso me desfazer disso? Esconder... me tira o sono. Ter me tira o sono. E já havia outras coisas tantas e todas que me roubavam o sossego em doses fartas. Somam-se. Multiplicam-se. e Não divido com ninguém. (Sub)traio-me.

Torço por uma morte digna e justa antes do tempo que o vírus venha me tirar a vida. Não quero deixar a um vírus esse gosto.

sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O Ser

Tem horas que eu me esqueço (de novo) que tenho HIV. Ou como prefiro dizer, tem horas que eu me esqueço que tenho AIDS (não vou entrar no detalhe da diferença).

Ah, mas quando eu me lembro...

Sempre desejei uma cura para a AIDS, desde que se fala disso em sala de aula, quando a gente era criança ainda. Mas acho que eu desejava como quem deseja a paz mundial, como as candidatas a miss desejam. Pensando "porra, paz mundial com o mundo de fome, guerra, sacanagem, putaria, jogatina, traição e malandragem em que nós vivemos?? piada!". Por ai...

Agora, preciso de uma cura. A idéia de um prazo de validade ou problemas sazonais, restrições, controles... tudo isso me desanima, mais do que desespera. Paz mundial, como a vejo, também é assim... algo distante, trabalhoso e que me tira o ânimo quando percebo o quanto falta. Mas não tem nem o estigma de um preconceito, nem me afeta o dia-a-dia tão diretamente e intensamente (de modo dramático) quanto a merda de uma AIDS.

Enfim... nem creio no prazo de validade. Nem acho que, daqui um tempo, quando eu tiver que tomar remédios, os medicamentos estejam melhores que os de hoje. Vive-se, parece, o ápice da coisa toda, onde os soropositivos são vistos como idiotas que se deixaram contaminar. Que aguentem. ÓBVIO que não quero ser visto assim.

Ademais, tenho um amigo pra tomar conta (dele). Uma vida pela frente. Continuar tentando ser uma pessoa boa para que isso simplesmente toque as pessoas, mude algo, faça alguma diferença. Mas é bizarro tentar continuar remando o barco e, toda vez que alguém me abraça, eu pensar "tá abraçando uma embalagem de veneno..."

Pior é o pensamento de que eu não transava sem camisinha. Sexo oral sem camisinha É sexo sem camisinha. Logo eu tão instruído, tão precavido... "logo eu"... piada.

terça-feira, 8 de dezembro de 2009

As Estações... E Nada Mudou... (Mas eu sei que... Alguma Coisa Aconteceu...)

Às vezes sinto como se nada tivesse acontecido. Nada mudou. Não fica mais martelando em minha cabeça (não o tempo todo) a frase "tenho AIDS" ou alguma outra parecida.

De todo modo, a situação pede atenção. Exames a serem realizados, ou quando olho pra alguma pessoa que me atrái (dai penso "proibida pra mim" - agora todo mundo é).

Hoje, depois de muito tempo, entrei de novo no meu perfil fake do Orkut e revisitei comunidades, tópicos e perfis. Dai volta até a vertigem. Como se eu quisesse enganar a mim mesmo, esquecer que tenho o que tenho.

Li uns tópicos bárbaros (no pior sentido da palavra) sobre a dificuldade de ir para um país estrangeiro sendo portador do HIV. COMO ASSIM??? Diabéticos podem? Cardíacos também? Tudo uma questão de transmissão ou de manutenção e custos?

Enfim, dei adeus ao sonho de morar num dos castelos da Disney.

sexta-feira, 4 de dezembro de 2009

Cuanto lo siento (?)

Tirando o fato de que de dez em dez minutos é como se uma luz vermelha, daquelas de sirenes policiais, acendesse na minha mente dizendo "tenho AIDS", eu já faço minhas obrigações todas normalmente.

Vou fazer uma série de exames e é bem capaz que só daqui um tempo eu tenha que "sentir" que tenho HIV: quando remédios forem prescritos.

No mais, a vida tem sido a canoa num mar menos revolto. Há as marolas. Toda uma sorte de tubarões e outras ameaças abaixo. E que não venha nenhuma tempestade.

Planos e planos. Nada mais ou melhor do que antes. A sequência, ou falta dela, de sempre.

A quem por acaso tenha passado aqui e visto o desespero inicial: foi real. Foi intenso. É, de certa forma. Mas todos estavam certos, a gente se habitua, se acalma, se recolhe e se entende.

Muita coisa, tanto, vai mudar. Em atitudes, principalmente. Por ora, ninguém está disponível. Todo cara que vejo e penso "hm, que interessante..." sou logo tomado pelo pensamento de "não posso estragar a vida dele por conta de um prazer meu".

E tá que tem gente que trepa e se arrisca bem mais do que eu e nem tem nada mas... agora sou mais responsabilizado ainda pela minha saúde e pela de quem eu envolver.

quarta-feira, 2 de dezembro de 2009

Infecto

Hoje à tarde fui ao consultório do infectologista do meu amigo. Devidamente acompanhado do mesmo, entrei na sala dele e fui muito bem recebido. Ele é simpática, prática, competente, profissional e até, de certo modo, paternal.

Ouvi a tudo que ele disse. Anotei pouco mentalmente. Porque muito do que foi dito, eu já sabia, ou imaginava, ou já conhecia. Mas também porque fiquei meio que viajando na coisa do "putz, vou frequentar essa sala por quantos anos? E quando ele se aposentar? Vou durar tanto?" - e, claro, meu amigo já passou pelo grosso, pelo que vou passar.

O infectologista foi também a primeira pessoa a dizer algo do tipo "mas quanto azar..." quando eu contei sobre o fato de que eu, muito provavelmente, adquiri o vírus através de sexo oral. E não fez questionamentos estapafurdios do tipo "ah, mas fala sério! Foi por sexo oral mesmo? Certeza??"

De todo modo, me passou uma lista imensa com pedidos de exames. Meu plano de saúde não cobre integralmente, então imagino que - como eu disse no post anterior - viver vai custar mais caro. Desde que eu viva... tudo bem.