sexta-feira, 1 de março de 2019

I'm still standing

Minha medicação foi alterada no ano passado. Não se usa mais Efavirenz, diz o médico. Por outro lado, ele mesmo quer fazer mais uma alteração devido aos últimos exames. Aparentemente, meus rins não estão reagindo bem ao mais recente esquema. Creatinina alta.

Eu confio plenamente no meu médico, um dos melhores da cidade. Vou no esquema que ele indicar, sempre. Ele me explica tudo sem rodeios. Mês que vem começo a nova medicação.

Meus medos, por mais que ele me tranquilize, são os mesmos de sempre: rejeição, adaptação, possíveis efeitos colaterais. 

Sempre que me olho com atenção no espelho, fico pensando se essas marcas de expressão seriam mais suaves caso eu não fosse soropositivo. Tanto pelo estresse pelo qual passei nos primeiros meses, quanto pela própria medicação.

Esse sulco suave abaixo dos olhos é lipodistrofia? A dor que sinto às vezes no intestino tem alguma relação com esses quase dez anos ingerindo o coquetel que me mantém vivo e saudável?  Nunca saberei. 

Claro que eu preferia não ter jamais tido que tomar remédio algum numa base diária. O cotidiano de uma pessoa que vive com HIV tem que ser organizado com disciplina. Mas é como vivo e está tudo bem. Não gosto de comparações, mas sei que poderia ser pior. Há pessoas que não se adaptam aos esquemas com facilidade logo de cara. Eu nunca tive problemas. E tomo apenas uma combinação de três comprimidos na hora de dormir. Nada de remédios de hora em hora ou que precisam ser mantidos em geladeira. Isso existe.

Esse ano faz dez anos que me vi dentro dessa situação. Aprendi a não acreditar mais em matérias que berram "cientistas alegam estar perto da cura da AIDS": todo ano tem ao menos duas matérias sérias que fazem a coisa toda parecer muito promissora. 

Devo morrer velho antes de encontrarem a cura. É o novo câncer ("novo " se levarmos em consideração o tempo que se fala de câncer vs. o tempo que se debate HIV/AIDS).

Sabem que o pior de tudo é o preconceito. Inclusive o self prejudice, claro. Vejo nas redes sociais e dating apps as pessoas usando termos pejorativos hiper ofensivos. Quer dizer que alguém não presta, é promíscuo e que burramente se deu mal? Diga que essa pessoa tem HIV. Não vão querer saber se você contraiu num namoro, casamento ou numa transfusão de sangue. Você automaticamente é julgado, tem culpa e foi burrice sua. Shame.

De novo esse papo de cura, vindo de mim, aqui. Eu só queria não ter segredos. E esse me mata.