terça-feira, 10 de dezembro de 2013

De quatro no ato

Dia Mundial da Luta Contra a AIDS veio e não ouvi muito barulho. "Eles estão surdos" mesmo?

Enquanto isso, uns bem vivendo. Outros, mal sobrevivendo.

São quatro anos desde que me descobri (tornei-me) soropositivo. Não vai ter cura.

Li pela milésima vez um artigo, esses dias, que fala sobre a máfia da indústria farmacêutica. A mesma bobagem de sempre: tudo planejado; AIDS não existe/não mata, Ronald Reagan era um extraterrestre... até quando vamos ser expostos a esse tipo de leitura tão rasa e emburrecedora?

Cresceu drasticamente o número de pessoas que conheço e que são portadoras do "vírus mais letal do planeta", como eu gosto de pensar. Sim, faz com que, certo modo, eu me sinta como um espião em missão ultra secreta. Onde quer que eu esteja, sou uma arma ambulante. O mundo me teme. Ai de ti se em tu eu encosto ou ponho as mãos!

Menino jovem com quem eu tive uma relação há uns meses. Nos falamos recentemente via Skype. Do nada, se abriu e me disse estar com HIV. Segundo ele, a vida continua a mesma. Sem drama, sem traumas, sem perspectivas.

Não me abri. Nunca me abro. Deve ser por causa das malditas perspectivas. Não sei se as tenho. Ou a que aspiro. Descobrindo, talvez a coisa toda mude. Só talvez.

Outro, de longa data, ressurge no Skype, também. "Olá, como vai?" perguntei. "Com HIV" respondeu. Agora, aqui, sobram perspectivas. A mudança para um outro país, cursos que serão iniciados, a busca de mais um outro novo e eterno amor.

Não sei em qual desses dois perfis clássicos eu me encaixo mais. Prefiro sinceramente não estar em nenhum. Não desses. Não mais.

Tudo tão normal, tão regular... só preciso mesmo, muito, descobrir se minha falta de concentração e memorização se deve ao excesso ou à falta de perspectivas. E voltar a ter mais empolgação ou menos desânimo quando se tratar de buscar os remédios e fazer exames.

2014 e sua meia década. Pensando bem, uns nem duraram isso. Cara ou coroa?

sábado, 21 de setembro de 2013

Livrai-nos da lipodistrofia. Amém.

Por motivos de força maior - com direito a trocadilho - parei de malhar (ou simplesmente de me exercitar) há uns meses. Meu corpo tem sentido a diferença, negativamente (enfim algo de negativo no meu corpo - mais trocadilho).

Como qualquer soropositivo normal, tento evitar a lipodistrofia. Minha falsa magreza faz com que muita gente que me conhece ache de fato que eu seja um cara abaixo do peso ideal. Não levam em consideração, obviamente, a questão da massa magra, da gordura acumulada e outros fatores (como o próprio hiv, já que desconhecem meu status positivo).

Começa então a paranoia (ou começa a realidade? Que paranoia, isso)... sempre tive essa gordurinha vizinha e adjacente? Esse pneuzinho existiria se não fossem os ARV's ? Meu rosto estaria tão fundo e marcado? Ou é apenas um sinal dos tempos, a tal velhice que chega lenta e sorrateira para todos? Devo considerar uma cirurgia plástica nesse caso? E malhar durante as madrugadas, substituindo o sono pela academia? Talvez pegar leve na alimentação (mas dai o rosto não vai ficar mais fundo?)...

Ser soropositivo e seus nuances...

sábado, 20 de julho de 2013

A mando

De 2009 (quando me descobri soropositivo) pra cá, tanta coisa mudou...

Agora existe Scruff, GrindR, GrowlR, celulares tipo smartphone, swing é mais bem visto e aceito, militância política passou a ser vivida e debatida na mesa do almoço, gays têm que provar que não impõem uma ditadura, há um outro papa (e quem dá a mínima pra isso?), há outros rumos, outros olhares, outras pessoas.

Não há um amor.

"Acorrentado ninguém pode amar"

Temo ter envelhecido bastante desde que me tornei soropositivo. O aspecto físico, o semblante.

Estive analisando-me frente a um espelho: pescoço fino, rosto repleto de marcas de expressão, fundas olheiras cavadas acima das bochechas magras. Eu era assim?

Dizem que o estresse acentua ainda mais o envelhecimento da pele, da saúde, da aparência. Nesse caso, ter me estressado com a coisa toda do HIV desde 2009 só me fez mal.

Futilidade? Vá saber. Mas é de doer imaginar que o desgaste com o vírus me deixou (e ainda deixa, em proporção menor) abatido. Não quero nem especular se os ARV's (coquetel) me maltrata a carne por debaixo da pele. Provável.

Estando vivo e saudável, claro, sem reclamações. São cobranças do espelho, eu disse.

Vai ver é o tempo mesmo.

sábado, 11 de maio de 2013

Mais Cura

A matéria no Fantástico é... "fantástica". Somente.

Não, não sou pessimista. O fundo do poço ainda está longe. Digamos que, estando contaminado desde 2009, desde então eu vejo surgirem matérias assim praticamente a cada dois meses.

Um dos textos mais promissores e empolgantes que eu li, mencionava Cuba como o país que anunciaria a cura dali a um mês. Passaram-se bem uns quinzes meses e nada ainda.

Pelo que leio nas comunidades, blogs, fóruns e redes sociais, quem convive com o vírus há mais tempo que eu é ainda menos esperançoso ou digamos "mais cético". E nem estou falando sobre pessoas que adquiriram o status de "soropositivas" no começo da epidemia, nem de testemunhas presenciais do que foi tida como uma "colheita maldita", no final da década de 80, quando várias personalidades foram ceifadas prematuramente e/ou de modo brutal.

Não precisamos ver Cazuza cadavérico fazendo campanha pelo direito de estar vivo com HIV e ainda assim o fantasma do preconceito e do medo de morrer ainda está impregnado como estigma em quem se torna soropositivo (basta ler minhas primeiras postagens aqui no blog pra ter uma vaga noção do desespero que toma conta da gente nessa situação).

Meu médico me diz: "não se preocupe ou fique esperando a cura. Vá vivendo bem a sua vida com os remédios. Se um dia aparecer a cura, que bom. Se não, você vive até morrer de velho". Faz sentido.

Apesar de que o que eu gostaria mesmo é de não ter esse segredo. Nem ser visto como um coitado. Muito menos ser apedrejado, evitado, crucificado. É... só com a cura ou não tendo o vírus mesmo.

Eu me lembro muito pouco que eu tenho o vírus. Nem quando tomo religiosamente o coquetel antes de dormir. É tão involuntário já quanto o ato de escovar os dentes. Na semana que vem, entretanto, pago para fazer uns exames de rotina. Quando os atendentes do laboratório me atendem com uma piedade excessiva - como se me dar atenção fosse algo que os santificassem -  eu me sinto sujo. Cortesia, bom atendimento, fazer o bem... até quando isso vai estar vinculado a uma situação de dó, de pena?

Pensando bem, mais uma vez dentre tantas, que bom que eu sou soropositivo. Aprendendo a prática difícil de tanta coisa que é moleza na teoria. Teoria essa que nós, seres humanos, vociferamos tanto, com tanta facilidade.

Estou mais vivo.

quarta-feira, 10 de abril de 2013

20/20

O tempo está todo tomado. Mal penso no HIV. Mal, penso no HIV.

Recentemente, não sei se pelo horário tardio que tenho tomado o coquetel (Efavirenz, Lamivudina, Tenofovir), tenho acordado no meio da noite, sono leve. Passo o dia com sono. Não chega a ser o terror que era quando eu estava me adaptando ao remédio que o governo importava da Índia, mas me incomoda um bocado.

Uma noite dormi na casa de um parente, não levei o remédio, e dormi feito um bebezinho. Essas coisas são complicadas, né? Pode ser até o meu inconsciente reclamando da rotina de eu ter que engolir 04 comprimidos antes de dormir. Quem entende?

No mais, a vida anda a mesma. Maximizei, porém, minha carga de trabalho como nunca antes, nem quando eu não era soropositivo era assim. Tem sido bom. Nós, "aidéticos", somos capazes. A vida é a mesma. Longe o tempo em que tínhamos restrições, não podíamos fazer planos a longo prazo, estávamos como se fôssemos amaldiçoados.

Longe vai. Vou. Vamos?